Ione Buyst
Uma celebração sem canto é considerada uma celebração "morta",
"apagada", "desanimada". O canto, ao contrário, anima,
desperta, dá vida. Além disso, tem o poder de unir as pessoas: juntando a nossa
voz à voz dos irmãos e das irmãs, ao ritmo dos instrumentos, vai-se criando em
nós uma abertura e uma consciência maior de pertencermos uns aos outros. Também
a nossa relação com o Senhor é facilitada pelo canto; nossa oração se torna
mais profunda, mais fervorosa.
Por que será que isto acontece?
A carta aos Efésios nos oferece uma pista valiosa;
associa "canto" com "Espírito Santo" : "Não se
embriaguem com vinho, que leva para a libertinagem, mas busquem a plenitude do
Espírito. Juntos recitem salmos, hinos e cânticos inspirados, cantando e
louvando ao Senhor de todo o coração" (5,18-20).
"Espírito" tem a ver com sopro, vento. Sopro e vento fazem
vibrar, produzem vibração. Há quem afirma que existiria um som primordial, uma
vibração universal, superfísica, que é a causa e a essência de toda a matéria e
de todo som. Sintonizar, entrar em "sin-tonia" com este som
primordial (inclusive através de uma boa música) levaria a pessoa e o mundo à
harmonia. Estar fora desta sintonia (por exemplo, através de uma música
desequilibrante), levaria tanto o indivíduo como a sociedade ao caos.
Poderíamos talvez dizer que o Espírito suscita em nós o "som
", a "vibração" correta que nos faz sentir e pensar em uníssono
com o próprio Deus, criador de todas as coisas. Suscita em nós a alegria, o
louvor e a ação de graças, a compunção e a entrega. Suscita em nós a
experiência do inefável mistério de Deus. Suscita em nós o amor. Todas estas
atitudes, vividas com certa intensidade, tornam-se grito, aclamação, canto, ou,
então... tornam-se silêncio total, que é de algum modo o útero de onde é gerado
todo som.
Atitude e canto formam uma coisa só, reforçando-se mutuamente. Às vezes,
é a atitude que antecede e gera o canto: "Cantar é próprio de quem
ama", dizia Santo Agostinho e todos podemos constatar isso em nós e ao
nosso redor. Podemos constatar também aquilo que dizia, no século IX, Smaragde,
abade de Saint-Mihiel: "É bem verdade que o cristão deve deixar-se
comover, não pela modulação da voz, mas pelas palavras divinas; no entanto, não
sei como é que acontece que é a modulação do canto que faz nascer a compunção
do coração". Ou seja, neste último caso, é o canto que está à origem da
atitude. E nenhum dos dois existiria sem a ação do Espírito em nós.
Há pelo menos duas condições
para que o canto na liturgia possa, de fato, ser mediação, veículo do Espírito.
Primeiro, não podemos encarar
a música na liturgia como "divertimento" para tornar a liturgia mais
leve, mais agradável, mais movimentada. Devemos cantar e tocar "no
Espírito", abrindo-nos à ação de Deus que vem nos transformar também
através do canto, fazendo de nós adoradores do Pai em Espírito e verdade. Em
outras palavras, é preciso levar a sério a força sacramental da música na
liturgia e fazer do canto um ato de fé, um gesto de amor. Por isso, não podemos
cantar de maneira rotineira, inconsciente, superficial.
Depois, não vale escolher
qualquer música para cantar na liturgia. A letra e a música deverão ter sido
feitas "no Espírito" e levar em conta a função ritual que este canto
terá em determinada celebração. Deverá ser um canto cujo texto, ritmo,
melodia... estejam prenhes do mistério de Deus celebrado na liturgia e
vivenciado no dia-a-dia de nossa caminhada histórica.
Sejamos críticos ao fazer nossa
escolha!
(Este artigo foi publicado no livro Liturgia,de Coração, São Paulo, Paulus, 2003).
Questões para
reflexão pessoal e grupal:
1. Qual é a frase ou o pensamento que mais
chamou sua atenção neste texto?
2. Você já percebeu alguma vez a força que o
canto tem para unir as pessoas que vieram para celebrar? Como foi?
3. Em que condições o canto pode ajudar a nos
abrir à ação de Deus em nós?
4. Qualquer tipo de música serve na
celebração litúrgica?
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